A identidade híbrida do não-lugar

Angélica Yassue
3 min readNov 22, 2019

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Eu amo meu Brasil, eu amo minha América Latina, mesmo quando as pessoas insistem que eu não pertenço a este lugar — no qual sou nascida e criada. E nessa tentativa de me manter nesse não-lugar — porque também não pertenço à Ásia — me tiram o lugar de sujeito, me isolam e me reduzem a estereótipos.

Existe um imaginário de como o asiático brasileiro “deve” se comportar, e quando você não age conforme — obviamente porque você é uma pessoa única, formada por diversas características que não te definem determinantemente, mas que se revelam nas suas ações — , causa espanto e as reações mais carregadas de preconceito, racismo, xenofobia e relativismo possíveis.

Faz algum tempo que me “conformei” com o não-lugar, com a falta de identificação com as coisas, lugares e pessoas, mas isso porque reduzia tudo à identidade. Conforme fui mudando meus pensamentos, foi sendo fácil praticar um certo cinismo em lugares que não dá para ficar confortável.

Esquecer que você é esse sujeito de olhos puxados e da pele amarela, que já está sendo julgado antes mesmo de abrir a boca, e viver a sua vida como outro qualquer, entendendo o próprio multiculturalismo (se houver) com certo orgulho, como de alguém que teve a oportunidade de agregar mais conhecimento através de toda carga cultural que uma identidade híbrida oferece. Sem negação de raízes e nem enaltecimento desnecessário.

Você é brasileira.

E toda vez que alguém te lembrar desse teu não-lugar, não se calar, não passar pano, retomar o que é seu de direito. É o mínimo de dignidade que dá para se buscar individualmente.

Assim, o pertencimento para mim não se deu mais em querer ser aceita nesses termos, seja por ser asiática, seja por ser mulher, seja pelas questões com peso que sempre me assombraram, seja no local de trabalho, nas viagens, em todos os lugares a que levo meu corpo. Não busco mais pertencer/encaixar/conformidade, busco soluções.

Soluções que só podem ser construídas coletivamente.

E não tem lugar melhor que esse. O coletivo. Ser sujeito coletivo.

Dessa forma, subjetivamente entendo que sou muito mais que meu corpo, somos mais do que nossos corpos, mas ainda assim precisamos contar com eles, afinal, a emancipação dos mesmos exige uma luta que vai muito além do que a luta a favor das liberdades individuais.

(Será que escrevendo em primeira pessoa é mais fácil de se fazer entender?)

Será que é preciso reduzir toda questão identitária através de valores individuais e individualizantes?

Creio que não.

Mas é preciso discuti-la.

No mais, estudar História e geopolítica para também entender as inúmeras contradições a que estamos inseridos.

*Imagem: cartaz escrito: “‘japas’ continuem andando, este é um bairro de homens brancos”. E a maior contradição histórica é que hoje o povo japonês é bem quisto pela burguesia internacional, é quase (com muita ênfase no “quase”) visto como branco, também pudera, é um dos países que mais têm bases militares dos EUA, são lacaios altamente controlados. E os descendentes daqui, os que pertencem às classes mais altas, amam os EUA, votaram no Bozo, e mesmo assim já foram ou pensaram várias vezes em ir para o Japão trabalhar de operário no chão de fábrica, mas sem deixar de lado suas manias pequeno-burguesas.

Isso é ser brasileiro, ser miscigenado, multicultural, cheio de contradições e confusões, brutalmente colonizado e que tem péssima memória. E, sobre minha identidade, eu sigo me identificando com todas as mulheres latino-americanas trabalhadoras, mas se na história as mulheres asiáticas militantes foram apagadas, a gente traz elas de volta também.

Yuri Kochiyama — Pesquisem quem foi

Misturei vários assuntos e até esqueci porque comecei a escrever, mas taí, que os racistas queimem no mesmo fogo que os fascistas, os imperialistas e os colonialistas! 🔥💣

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Angélica Yassue

comunicadora social, militante das liberdades emancipadoras, com muitas ideias apaixonadas para mudar o mundo e a si mesma. aqui vc encontra crônicas e emoções.