Dar lugar ao novo

Angélica Yassue
7 min readJun 13, 2023

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Hoje fiz 33 anos de idade. Com as tantas dificuldades que vivi aos 32, achei que não fosse chegar aqui. Então é um marco, uma vitória e que me trouxe alguma vontade de celebrar a vida — nada comparado com as comemorações antes da pandemia, onde a quantidade de gente era um quesito importante, assim como a escolha do lugar, o som, os preços, o horário, qual seria a balada depois e tudo não precisava ser perfeito, mas divertido, acessível, interessante. Porém, esse desejo de festa foi morrendo em mim e lembro que o 12 de junho de 2020 foi o pior aniversário da minha vida. Não tinha vacina, tinha pouca esperança e muitas variáveis para estragarem o meu dia. Muita coisa mudou depois daí, me separei, mudei de casa 3 vezes, troquei de trabalho 2 vezes, tive amores e desamores, destrui e transformei tanta coisa aqui. Os 31 começaram solitários — mas celebrei ao lado de pessoas queridas, com vinho, fogueira, petiscos e eu ficando bebassa e capotando antes da meia noite no sítio de uma amiga — por causa ainda da pandemia, mas tinha muita esperança, muita energia contida e depois colocada em prática, muita vontade de fazer acontecer e fiz. Já os 32 foram catastróficos, assim como foi todo o ano de 2022, mas também comemorei do mesmo jeito, no mesmo lugar e com pessoas que chamo de família. Comecei o ano perdendo emprego, um mês depois, a casa que alugava e tinha acabado de me mudar foi invadida, na sequência minha mãe adoeceu e entramos numa batalha que durou 4 meses até chegar o diagnóstico de câncer de pulmão metastático (o câncer de mama que ela teve há 12 anos voltou no pulmão), entrei num processo de estresse compulsório (nem sei se existe o termo), resolvendo tretas burocráticas e problemas traumáticos de família, enquanto isso, tive três relacionamentos afetivos brevíssimos com pessoas indisponíveis e extremamente problemáticas que me fizeram muito mal e contribuiram bastante pro meu sofrimento psíquico em momentos diferentes do ano — ia comentar brevemente sobre cada caso, mas acho um desperdício. Enquanto isso, eu fumava um tabaquinho inofensivo atrás do outro, enchia a cara todo fim de semana e bebia uma dose ou uma garrafa nos outros dias. Eu terminava de me destruir, enquanto ia dormir na maioria dos dias me sentindo a pessoa mais vazia do mundo. No entanto, a energia continuava alta — qualquer pessoa que me visse naquela época me acharia alegre e extrovertida — e me enfiei numa campanha eleitoral, me desdobrei pra coordenar à distância e cuidei de um monte de coisa, de tarefas demais, de problemas que não eram meus, de gente que deveria ter aprendido a cuidar de si, e, obviamente, surtei no final. No dia seguinte do primeiro turno, veio um sangramento totalmente inadequado e fora de hora, que durou duas semanas. Tive crise de pânico — o primeiro sinal de que a ansiedade estava voltando com tudo — e cólicas medianas nesse primeiro momento. Fui diagnosticada com infecção pélvica, tive que tomar 3 antibióticos diferentes para NADA (a não ser f*der meu estômago — o diagnóstico de gastrite crônica veio meses depois), pois outro médico — posteriormente, já que as dores não pararam — , me diagnosticou com hérnia inguinal. Fiquei três semanas sem sair de casa com medo da hérnia romper e ter que operar às pressas. Daí, fui passando com outros médicos e fazendo outros exames porque havia a suspeita de endometriose, que foi confirmada no começo deste ano — comprovando também que não era hérnia, mas sim um foco da doença no canal inguinal — após uma maratona (que segue até hoje) de exames, consultas e remédios de todo tipo, pois até labirintite tive na mesma época por causa da covid, que depois virou suspeita de bruxismo, depois suspeita de cefaléia e agora tenho que passar até no neuro. Vi mais ginecologistas, gastroenterologistas, dermatologistas, clínicos, otorrinolaringologistas, alergologistas e fisioterapeutas do que encontrei qualquer um dos meus amigos.

Comecei o ano esperançosa, fazendo academia, tomando suplementos e fazendo dieta anti-inflamatória (e foi muito estressante tirar o glúten principalmente porque TUDO vai glúten e simplesmente porque se você sente dor crônica, vai ter dias que tudo o que você não quer/consegue é cozinhar e pão salva), porém, a endometriose veio com tudo, me trazendo dores inimagináveis e diárias, acompanhadas de cansaço e irritação. As tentativas hormonais trouxeram ainda mais drama, me causaram mais dores, sangramento contínuo, espinhas, dores de cabeça e um que tomei só um mês mexeu com a minha pressão arterial, me fazendo parar no PS duas vezes por taquicardia e por pressão alta. Foram dois anticoncepcionais rejeitados pelo meu corpo e o DIU mirena que segue sendo o único tratamento que sigo até hoje e que elevou a nível de dor pélvica de um jeito que nas primeiras semanas me derrubou, trazendo quase-desmaios, queda de pressão, enjoo, tontura e um dor indescrítivel — no final do mês completo três meses e tem melhorado esse quadro conforme o passar das semanas, grazadeusa! Passar tudo isso fugindo de vícios não me deixou ilesa por muito tempo, parei de fumar e beber em dezembro do ano passado, foi difícil (agora tem sido mais fácil porque evito qualquer ocasião em que a sociabilidade envolva álcool), porém, estresse + hormônios + ansiedade, me fez descobrir um faceta mais severa da compulsão alimentar, e o que antes a TPM só causava pouco estrago em alguns dias do mês (as vezes nem isso) se tornou MUITO e durante semanas. Também não é difícil imaginar que desenvolvi um quadro depressivo desgastante e somei outra doença que ninguém entende (apesar de campanhas nacionais, mês de combate, celebridades e todo tipo de abordagem midiática sobre o assunto) e com isso, veio a solidão de uma forma mais complexa e assertiva. É sentir só e sem apoio, não é uma carência de companhia, é perceber-se isolada diante da falta de compreensão, empatia e escuta da maioria das pessoas que conheço e convivo e digo isso sem culpá-las (hoje), reconhecendo também a minha responsabilidade na forma como me sinto, mas sem passar pano pra mim e pra ninguém.

Isso tudo me levou também a percorrer um caminho em busca de um lugar para praticar a fé. Durante todo 2022 fui em quatro terreiros de umbanda, duas vezes cada, até decidir não voltar mais. Até que no começo deste ano, fui num lugar que chamei de segunda casa durante dois meses, até decidir não voltar mais lá ou a qualquer terreiro — para ser filha, continuo aberta a visitar para tomar um passe. Também fui a dois centros budistas numa tentativa de resgate à espiritulidade ancestral. Um eu já conhecia e gosto de algumas coisas, o outro fui uma única vez e sai de lá com raiva e me questionando se Buda iria gostar de ver o que vi ou se acharia um desrespeito todo lugar que colabora para a ideia de um budismo elitizado, branco e burro (do tipo que o cara passa horas toda semana recitando um mantra sem saber o seu significado). A partir daí comecei a perceber que a prática religiosa pode ser um apoio aos momentos de dor, como uma maneira de se concentrar, meditar, refletir, conversar consigo mesma, com as minhas entidades, guias e mentores, mas que talvez eu não pertença a nenhuma religião e minha espiritualidade tem que ser conservada de alguma maneira mais abrangente, mais de um jeito meu mesmo, que só eu vou saber conforme vou descobrindo como encontrá-lo.

As questões mentais ainda estão e continuarão a ser trabalhadas. Creio que a pior fase da depressão passou (espero e tô lutando para que não volte, mas é difícil), e a ansiedade infelizmente faz parte de mim e, como li num artigo do Christian Dunker, as vezes ela pode estar mais equilibrada (essa é a meta) e às vezes pode estar mais próxima da depressão, como dois espectros que não são tão separados assim como o mercado faz parecer. Tudo o que quero é ficar de boa, sério mesmo, sem sentir nenhuma emoção forte que me faça não querer estar viva ou extremamente preocupada com algo, é estar suave sem nem perceber, sem ter que me esforçar, sabe? E eu tava assim depois de meses me sentindo do jeito que descrevi acima, somado a diversos sintomas físicos bizarros, mas hoje, no meu aniversário, esses sentimentos voltaram — mas, devo já dizer que não ficaram. Eu comecei o dia fazendo uma meditação de aniversário que falava sobre despedir do velho e dar lugar ao novo, uma ligação da minha melhor amiga, tomei café da manhã, fiz pedidos, entrei na igreja, fiz rituais, teve churrasco. Chove e venta muito aqui na praia, mas mesmo com o céu cinza, eu estava animada para comer o bolo que encomendei e ficar tranquila o resto do dia, porém, por mais simples que sejam nossos planos, eles também podem dar errado porque ainda assim envolvem expectativas. Não tive parabéns, apenas a sensação de que este foi pior que o de 2020.

Meu dia poderia terminar assim. Um fracasso, um desejo de choro expositivo reprimido, um choro de soluçar escondido, mais um ressentimento pra conta, uma memória que vai virar um gatilho para momentos de desespero somado à cólica horrível que sinto no momento. Porém, decidi fazer o que mais entendo na vida: me comunicar. Expor, escrever, vomitar sentimentos, transformar meros pensamentos em conclusões sem qualquer objetivo que não seja aliviar o que estou sentido — hoje não quero agradar ninguém além de mim mesma. Também entendi que apesar das coisas não terem acontecido como o esperado, cortei meu bolo e soprei minhas velas, como num ritual de passagem que ocorreu desse jeito porque era para ter sido assim: algo só meu. E dessa forma, celebrei a minha vida, dizendo para mim mesma: “parabéns por ter chegado até aqui, por ter sobrevivido aos anos anteriores, por estar em pé, por ainda ter vontade de mudar e melhorar as coisas, por não desistir” e que apesar de tantas coisas ruins que me aconteceram nos últimos anos, também houveram coisas boas — também houveram mensagens de pessoas importantes hoje — , e por saber que coisas boas também podem acontecer, sobra um pouco de esperança por dias melhores e me desejar tudo de melhor para mim mesma com a certeza de que vou receber.

Assim espero e que assim seja.

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Angélica Yassue

comunicadora social, militante das liberdades emancipadoras, com muitas ideias apaixonadas para mudar o mundo e a si mesma. aqui vc encontra crônicas e emoções.