O que sinto grande quando chora molha tudo

Angélica Yassue
3 min readSep 26, 2022

--

Não sei onde vi essa frase, mas ela me marcou de diversas formas. Talvez pela falta de rigidez em colocar pra fora algo concreto, básico, sem vírgula, sem receio de verbalizar e significar coisas que não cabem em sentenças de efeito ou na ausência de sentimentos.

Não cabe tentar contabilizar, é impossível, mas não lembro de ter chorado tanto na vida quanto neste ano. Vivemos tempos sinistros, de uma ansiedade coletiva potencializada após dois anos de pandemia, depois de termos enterrado milhares de corpos, do medo constante de morrer ou perder os nossos, de encarar a vida sob outra conduta e outros olhos. Passou, melhorou, vidas findaram, outras nasceram, assim como as ideias e a tentativa de manter algum brilho no olhar e algum vestígio de sonho aceso. O que restou de nós? Ou para nós?

Tento ser positiva, mas não sou mais a mesma. Seja com a doença na família, com o futuro de incertezas, com o presente desgastante e muitas vezes por escolha própria em que se opta cegamente por problemas abundantes. Sinto que o tempo se esvai por minhas mãos, mas aprendo que não controlo, nem o caminhar das coisas, nem a presença dos nãos. E isso, por alguma razão, não me desespera, mas também, não me conforta ou me liberta. Vivo emoções atrasadas, que as vezes me inundam, e tento dançar enquanto transpasso meu corpo e minhas memórias por elas esperando que não me confundam. Entendo onde errei, em diversos momentos, no entanto, eu sempre estive ali, presente, de alguma forma, mesmo ansiando estar ausente, fugindo pelas dobras e das normas.

Era sempre eu tentando viver, tentando fazer mais pelo que acredito, ser útil, lutar contra o incontrolável, fazer algo memorável. É uma briga constante, é uma batalha perdida. É um sopro de resistência que me mantém em pé e me sacode todos os dias. O sentir, o pensar, o se deixar levar, são tantas questões, é tanto, tanto, tanto… Aos mais insensíveis, não passa de descontrole emocional, no entanto, hoje, eu encaro como coragem. Em assumir suas verdades, em desembassar o que pode ser miragem. É fácil esconder o que se sente, sem se importar com as vezes em que mente, porque não é preciso lidar com o julgamento de quem escuta com vendas e lábios vorazes. Mas, implodir não é a resposta nem proposta, nem silenciar nossas vozes como quem come pelas beiradas, leviano e mais nada. É preciso enfrentar, será? Antes, não será preciso se olhar? O reflexo engana ou se deixa enganar?

Aonde tudo isso irá nos levar? O medo pode nos paralisar? Eu não tenho tempo para esperar, tem que ser agora, tenho que resolver por ora. Tem coisas que não esperam o segundo turno, aqui dentro contorce algo, mas não pode acumular nas vértebras, enquanto engulo duro. Quero viver sem hesitar, me encontrar onde eu puder chamar de meu lugar. Não mais acordar de olhos inchados, enquanto corações gelados permanecem intactos. Assim seja, derramando, escorregando, até que, seca.

Deixar ir parece mais interessante neste momento de falta de acalento. O que não resta mais sentido, sempre pode ser ressignificado, deixado de lado, adormecido ou esquecido. Deixar-se esvaziar, completamente, necessariamente. Soltar pro universo o que não nos compreende. Resguardar-se sob um ímpeto de amor próprio, uma luta por sobrevivência, ou uma mera coincidência de que se ainda respira, é porque há vida para ser vivida.

--

--

Angélica Yassue

comunicadora social, militante das liberdades emancipadoras, com muitas ideias apaixonadas para mudar o mundo e a si mesma. aqui vc encontra crônicas e emoções.