Por que escrevo?

Angélica Yassue
9 min readAug 10, 2017

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Vamos para mais uma reflexão egocêntrica do porquê a gente faz as coisas que acha que nasceu pra fazer.

2001. Ano em que supostamente o mundo iria acabar, segundo Nostradamus — foi em 2000, mas eu queria começar o texto com um pouco de drama, desculpa. Eu tinha 11 anos e era completamente apaixonada por Senhor dos Anéis. Eu vivia num mundo de imaginação em que eu era a heroína de alguma história fantástica que se passava na Terra Média de Tolkien e me casaria com o Legolas. Eu sonhava em ser uma personagem, humana porém, repleta de habilidades que iria libertar o príncipe elfo de sua solidão. Eu também me imaginava forte e sábia.

2003. Eu era a roqueira da sala. Adorava me vestir de preto, passar lápis preto, usar coturnos pretos. Acho que isso ainda continua sendo uma verdade, mas hoje eu gosto de samba também.

Eu estava na sétima série. Garotas e garotos já se beijavam e esse era sempre o assunto principal das fofocas de classe. Apesar de já ter perdido o famigerado “BV”, eu era meio do avesso. Não sabia o significado de mainstream, mas odiava tudo o que a maioria das pessoas gostava e fazia. E isso se prolongava ao assunto “garotos”, eles eram insuportáveis e eu sempre me achei esperta demais para eles. Me achava super adulta e gostava de falar difícil. Adorava o fato de me procurarem para pedir conselhos, mas o fato real é que eu nem fazia ideia do que estava falando, mas falava, e, geralmente, escutavam. Eu era considerada nerd, porque andava com meninos que jogavam RPG, e até jogava com eles, mas também nem entendia o que estava fazendo.

Como eu disse, eu era do avesso. Ou gostava de me imaginar assim. Eu achava que era incompreendida. Gostava de ler, adorava ficar filosofando sobre sentimentos e escrevia cartas para os amigos. Odiava qualquer matéria da escola em que eu não pudesse me expressar ou aprender o que era de meu interesse, por isso eu sempre ia mal nas aulas de exatas e minhas professoras de gramática nunca gostavam de mim, apesar de ser uma das poucas matérias que eu ia razoavelmente bem. Eu me achava uma adolescente prodígio, de verdade. Talvez eu fosse uma pequena arrogantezinha. Mas hoje eu percebo que sempre existiu em mim essa necessidade gigante de conquistar o mundo com meus próprios pés porque eu queria salvar a minha família. Sei lá, como eu sempre vi meus pais trabalhando no comércio e via o quanto eles eram maltratados, eu achava que deveria salvá-los. Talvez eu quisesse salvar a mim mesma daquela rotina que me deixava exposta, enquanto eu só queria descobrir quem eu realmente era, ou quem eu estava me tornando.

Um dia, uma professora — a única professora de gramática que gostou de mim — passou uma redação que iria concorrer a um prêmio. Eu não lembro qual era, só o tema: amor ao próximo. E eu, ainda aprisionada no meu mundo imaginário de elfos perfeitos que seria a minha salvação para essa realidade de idiotas, escrevi uma puta carta gigantesca que narrava a história de uma garota que foi parar num mundo de…? Cê sabe o quê! Elfos, claro! E ela era extremamente forte e guerreira e transformou uma nação conservadora num império (?) repleto de amor, e ensinou várias lições de compaixão a todo personagem que cruzasse o seu caminho.

Uma amiga (que talvez leia isso e dê algumas risadas) escreveu uma carta ao George W. Bush fazendo um apelo sobre as pessoas passando fome no mundo. Mas, adivinha quem ganhou? Eu, porque a professora de alguma forma se identificava comigo ou, sei lá, ela gostou da minha criatividade. Querida Elisabeth, talvez este texto seja pensando em você também. E, de fato, de alguma forma eu subverti uma história que já estava na minha cabeça há anos e a transformei num grande conto sobre amor. O amor da maneira mais genuína e afável que se pode ter na cabeça de uma garota de 13 anos.

2012. Eu tinha acabado de terminar a faculdade de Jornalismo. Tinha passado por um estágio em uma editora, por uma agência de mídia online e por uma assessoria de imprensa, mas pedi demissão da última e não conseguia arranjar nada. Eu estava deprimida, achava que só dava trabalho para os meus pais, tinha acabado de terminar um relacionamento de 2 anos, vivia no rolê de quinta a domingo e tinha ganhado, pelos menos, uns doze quilos a mais na balança. Fazia freelas de conteúdo sobre saúde, nutrição e qualquer outra coisa que não fazia parte da minha rotina. E era na noite que eu me encontrava, onde não existiam elfos, óbvio, mas muitas pessoas que se travestiam de lobos. Famintos e insaciáveis.

Um dia, de novo, eu vi um anúncio de um concurso literário de literatura infanto-juvenil fantástica, mas o prazo pra inscrição terminava em uma semana. Parei tudo o que estava fazendo para focar nisso. Eu iria reescrever aquela história que escrevi há mais de dez anos para tentar faturar 30 mil e dar um jeito na minha vida. Em uma semana, corri mais do que nunca. Peguei o notebook da minha irmã e passei madrugadas parafraseando Tolkien, Caroll e Freud. Sim, Freud. Porque precisava de uma explicação razoável para aquela garota parar no mundo dos elfos. Ela era uma jovem incompreendida e deprimida, que queria voltar ao lugar confortável, em que ela querida mesmo antes de nascer. Não vou contar a história, comprem o livro quando ele for publicado.

2014. Migrei para a Publicidade porque precisava trabalhar e a única coisa que eu sei fazer é exatamente isso que estou fazendo agora. Eu tinha perdido 20 quilos e estava tentando ser uma pessoa mais centrada. Não ganhei o concurso. Depois entendi que as pessoas que ganham esses prêmios são sempre as mesmas: homens, velhos (não se ofendam), que já publicaram 200 livros, geralmente ex-jornalistas, ex-publicitários, aposentados. E eu entendo porque essas pessoas ganham e, tudo bem.

Entrei numa agência depois de 3 entrevistas. Lá eu fiquei 3 anos da minha vida. Fiz muitos amigos, aprendi toda a base da Publicidade, pratiquei a minha criatividade como nunca antes e tentei reduzir qualquer ideia em uma frase.

(pausa dramática)

Tudo na minha vida foi texto. Textão. Ai, como eu amo textão! E, de repente, eu precisava reduzir tudo o que permeava a minha mente em uma frase. Em um título. E assim eu percebi que eu precisava ser mais criativa. Que o que eu achava que sabia precisava ser melhorado. Que a única coisa que eu sei fazer da vida precisava de melhorias e logo.

2015. Eu nasci em 90, tá? Mas, antes de chegar perto de completar 25, eu resolvi morar sozinha. Então, era momento de realizar um sonho e também de encarar uma responsabilidade que eu coloquei pra mim mesma. Eu queria ser independente e chegou um momento que dava pra eu me virar. Eu não queria mais atrapalhar a rotina da minha família e também precisava me descobrir. Descobrir quem eu era depois de tudo o que eu tinha vivido nos últimos anos. Depois de todos os relacionamentos abusivos, depois de todos os fracassos pessoais, depois de tanta confusão mental. Eu sabia que precisava fazer isso. E mesmo com medo, eu fui.

2016. A Publicidade sempre me deixou em dúvida. A primeira era: é isso o que eu quero fazer da vida? E a segunda: por acaso, eu faço isso bem? A primeira dúvida acabava comigo. E muitas vezes eu pensei em largar tudo e ir morar em alguma cidade litorânea, vender artesanato — é sério, e eu faço mesmo. Não comentei antes, mas meus pais têm uma loja de materiais para esses fins desde meus 12 anos, lá eu já dei aulas, e também pinto tela, gesso, madeira e qualquer outra coisa que você me oferecer -, fazer yoga na praia, parar de trabalhar com o mental, porque na minha cabeça eu não aguentava mais gastar toda a minha criatividade com algo que eu não acreditava. Não acreditava porque sabia que estava fazendo errado, mas essa conclusão compõe vários motivos que não cabem aqui.

Fiquei perdida por um bom tempo, mas de uma coisa eu tinha certeza: eu precisava me arriscar. Foi então que eu acabei saindo da agência que estava para tentar outras coisas e de alguma forma descobrir o que eu queria.

2017. Eu sabia que precisava melhorar, então, me inscrevi num curso de criação publicitária que ouvi falar durante esses três anos de Publicidade e que finalmente iria conseguir pagar. Foram seis meses de curso. Seis meses que trabalhei nessa agência nova. Totalizando, agora, oito meses em que eu pude me redescobrir. E, vou dizer: não foi fácil. E continua não sendo.

Nesses meses todos, conheci muita gente e me deparei com algo que eu não esperava: muita gentileza. Descobri que criatividade não necessariamente é algo que se transforma sozinha em uma ideia. Uma ideia é uma ideia. A execução é outra história. Conheci bastante gente, vou comentar de novo, e muita gente foda, pra não dizer menos. E me perdi e me reencontrei muitas vezes e hoje eu não sou mais quem eu era em 2016, ou em qualquer outro ano que comentei anteriormente, e nem quem eu era no começo deste. Eu vivo uma luta diária que é pouco compreendida para a maioria das pessoas ao meu redor, mas é facilmente identificável por aqueles que vivem a mesma realidade que eu. Eu preciso terminar o que eu estou fazendo para conseguir fazer o que eu quero.

Depois que eu entrei no curso, eu fiquei ambiciosa. Sim, isso é verdade e todo mundo que passa por lá também fica ou fica mais ainda. Alguns, inclusive uns que conheci nos últimos anos, chamam-nos de deslumbrados. Talvez seja, vai saber. Mas, de fato, nesses últimos meses eu finalmente descobri o que quero. Talvez você leia isso e pense que eu continuo arrogante e tudo bem, você leu algumas passagens da minha história, mas não sabe o que eu realmente vivi pra chegar aqui, a esta conclusão e ter fôlego suficiente pra escrever sobre. Mas eu me sinto mais humilde do que nunca e talvez meus companheiros de luta concordem porque entendem o porquê. Lutar por algo que você sabe que consegue fazer, mas que não consegue finalizar por inúmeros motivos é frustrante, a espera é angustiante e suas contas não param de aparecer. Às vezes, num pensamento preguiçoso e presunçoso, você pensa que alguém vai te descobrir, mas não existem elfos bondosos e nem anjos salvadores na Propaganda ou na vida real. Mas eu sai de um limbo, em que estava há três meses, com objetivos.

Eu nunca pensei em fazer carreira na minha vida. Talvez por achar que a área não possibilita, talvez por desinformação, talvez por pura falta de ambição, talvez porque precisava só me entender, talvez porque precisasse amadurecer. E, de fato, ser adulto não é fácil e toda essa lamúria se confundiu com o meu aniversário. Eu sempre passei essa data lotando algum bar ao lado dos queridos, enchendo a cara e fazendo piada da vida. Este ano, pela primeira vez, quis ficar sozinha, mal quis ver minha família e meu namorado, e assim fiquei por pelo menos um mês, até me resgatarem. Completar 27 anos, ganhando mal, trabalhando muito, vendo a vida passar e não entender porquê você não está aproveitando-a é doloroso. Se eu pudesse voltar no tempo, provavelmente escolheria pelo caminho mais fácil e tentaria permanecer inocente, num mundo de elfos, onde tudo é amor e deixaria os problemas maiores para quando realmente fosse adulta, ou quando tivesse que ser. Mas eu não tive muita escolha e ser nostálgica agora não vai resolver os meus problemas.

Até que você começa a se perguntar se realmente serve pra isso, se o que está fazendo está certo ou o que está fazendo de errado e começa a pirar. E aí você percebe que sozinho não rola e começa a reparar nas pessoas, naquelas que estão ao seu lado e naquelas que podem te ajudar. Essa vida é muito louca e dá muitas voltas, talvez seja por isso que eu me preocupe em me manter sempre assim: honesta. Comigo e com os outros. E é maravilhoso perceber o quanto os outros também são e que agradecer por conhecer cada um nunca será o bastante.

Minha história é cheia de rompimentos, de preocupações constantes, de privilégios também, mas quando eu era pequena eu não sabia disso. Eu achava que ter que trabalhar tão cedo era horrível, porque enquanto isso, outras crianças brincavam e aprendiam com seus próprios erros, e eu estava lidando com medos. Alguns me assombram até hoje, mas mal sabia que isso era parte da luta dos meus pais e muito do que eu sou hoje e do que pude conquistar é por causa deles. Eu sei que a minha história fez quem eu sou e é por isso que escrevo. Escrevo para sobreviver. Escrevo para manter a minha memória viva. Escrevo porque, realmente, não sei fazer coisa melhor, mas isso não é um fardo, é uma escolha. Escrevo porque gosto. Escrevo porque admiro quem escreve e hoje, meus autores são outros. Hoje, minhas inspirações têm a ver com o que busco. Escrevo porque quero fazer um bom trabalho. Escrevo porque é importante para mim. Escrevo porque é isso que eu sou, é isso o que eu sempre fui, independente de escrever livros, textões, títulos, conceitos, serei eu ali, a todo momento. Sou eu, sentando na cadeira e colocando a cabeça para pensar, a sentir meus neurônios fritarem. Sou me entregando por completo quando se pede alma no negócio ou quando vem a inspiração para fazer algo seu. Sou eu, tentando ser melhor a todo dia, tentando ser maior e expandir até onde não houverem limites. Sou eu, dizendo para mim mesma que eu não vou parar de lutar. Talvez essas definições mudem e, não tem problema, porque o que importa é o agora.

E agora, eu só tenho que fazer isso: escrever, pensar e lutar. Eu só tenho que continuar sendo honesta e resistente, o bom é que eu tô bem afim de uma boa briga. Então, venha!

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Angélica Yassue

comunicadora social, militante das liberdades emancipadoras, com muitas ideias apaixonadas para mudar o mundo e a si mesma. aqui vc encontra crônicas e emoções.