Prosa em dialética: as dores da cidade e a consciência para si

Angélica Yassue
3 min readAug 9, 2019

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Mario Zanini — Paisagem Urbana e Vista de São Paulo

Quero que toda vez que a cidade te engolir e você se sentir pequeno frente a prédios gigantes e inacessíveis

Que toda vez que você estiver em coletivo lotado com todos os espaços individuais ocupados

Que toda vez que olhos escorregadios devorarem minissaias enquanto pés descalços são invisíveis

Que toda vez que colarinhos brancos olharem quem lustra seu par de grife de cima para baixo

Que toda vez que o pisar do salto for mais alto que a colher raspando o último grão no prato

Que toda vez que o latifúndio for a cobiça perante a condenação da maioria à mais-valia

Que toda vez que placas pretas tiverem preferência ante vulneráveis corpos que resistem ao asfalto

Que toda vez que a mídia for insensata e em segredo o governo feche acordos que nos matam a cada dia

Que toda vez que um produto causar mais clamor que corpos explorados nas esquinas e fábricas

Que toda vez que a guerra for dissimulada e a fumaça cause a cegueira diante da carne sangrenta

Que toda vez que o veneno escorrer pelas nossas bocas, enquanto as mortes no campo são numéricas

Que toda vez que a lagosta for almoço enquanto a noite petrifica a matéria que não esquenta

Que toda vez que um@ trabalhador@ perder a esperança diante de sua insignificância

Que toda vez que você se sentir impotente, com o coração apertado perante toda essa ânsia

Que toda vez que você sentir que vai enlouquecer e partir para uma alienação sem consciência

Você pare, respire e continue andando

E finja que é tudo areia macia, por enquanto

Pegue seu fone e ouça uma canção que dê esperança

Deixe-se conduzir por essa necessária dança

E se as pessoas que passam e encaram incomodar

Sinta como brisa, que bate leve no rosto a refrescar

Como a doce (e falsa) sensação de liberdade

Deixe seus pensamentos de lado por necessidade

Mesmo que o pesar seja excessivo e o ímpeto escasso

E tenha paciência diante da sensação de fracasso

Para não se perder ou adoecer no decorrer da luta

Porque se sou incapaz de tirar de ti essa dor absoluta

Que sejamos capazes de nos fortalecer juntos

E, com os nossos, poder tirar essa dor do mundo

Sem utopia, sem leviandade, sem precipitação

Consciência, formação, disciplina e agitação

Coletividade, amor, empatia e emancipação

E, assim, façamos da nossa casa o início de uma poderosa revolução.

(e vamos tomar os meios de produção)

Cícero Dias — Casa | Cândido Portinari — Guerra e Paz

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Angélica Yassue

comunicadora social, militante das liberdades emancipadoras, com muitas ideias apaixonadas para mudar o mundo e a si mesma. aqui vc encontra crônicas e emoções.